Dedicado a traduzir os conhecimentos da neurologia para o público leigo, bem como discutir os avanços científicos na área do comportamento e da cognição. De contrapeso, apresenta um olhar sobre os aspectos espirituais da doença e do adoecimento.
quarta-feira, 9 de setembro de 2009
Olhares perdidos
sexta-feira, 17 de julho de 2009
Síndrome de Burnout: a nova face do esgotamento
segunda-feira, 6 de julho de 2009
Um remédio amargo de tomar
Na psicologia e na psiquiatria, principalmente naqueles que seguem uma tendência menos biologizante, a situação é bem mais complicada. As queixas e sintomas são abstratos, as causas são impalpáveis e os tratamentos, então, são um caso à parte. Basta observar as diferentes teorias da personalidade para ver como o imponderável está ali presente, abrindo portas que vão dar em labirintos. Freud, Jung, Rogers, Skinner, Vygotsky e outros renomados cientistas da mente elaboraram teorias radicalmente diferentes e todas igualmente capazes de explicar os fenômenos psíquicos, assim como propor tratamentos eficazes. Onde estaria a verdade? Existe uma ou várias? Vale tudo quando se fala da psique humana?
Mas isso não é todo o problema. O pior é lembrar que grandes mestres indianos do passado, como Shankaracharya, diziam que nenhum remédio funciona se estiver guardado na gaveta. Um remédio precisa ser tomado, não importa quão amargo seja, se quisermos obter seus efeitos. Aí é que mora a dor dos terapeutas da alma.
É desconcertante ser capaz de enxergar o problema, prescrever o remédio que se sabe ser eficaz e ver a pessoa continuar remoendo o sintoma sem conseguir compreender que precisa tomar, efetivamente, o remédio para ser curada.
Alguns tratamentos são do tipo que eu chamaria de "positivos". São aquelas ações a serem tomadas, do tipo: "peça o divórcio", "faça ginástica", "tire férias", "demonstre seus limites", "compre um cachorro", "arrume sua casa", "faça meditação, yoga, tai chi, qi gong". São medidas concretas a serem implementadas.
Já é difícil fazer as pessoas compreenderem que algumas atitudes externas podem auxiliar a modificar o modo que se encontram suas disposições internas. Mas ainda é mais difícil prescrever os tratamentos que implicam no abandono de certos hábitos e atitudes. As ações, nesse caso, são do tipo negativo: "liberte-se da vaidade", "seja menos possessivo", "descarte seu orgulho", "deixe de lado o egocentrismo", "acabe com a competitividade", "pare de se comparar com os outros". Mesmo que o terapeuta curador diga -- Isso está lhe destruindo!; o progresso é pouco e lento. As pessoas são quase incapazes de tomar o remédio porque sequer conseguem enxergar o problema existente dentro delas mesmas, tão emaranhadas que estão na teia das ilusões da mente. Na cabeça delas a questão é simples: os outros estão errados e lhe causam sofrimento!
É impressionante que nesse campo, quando o tratamento consiste em "cortar na própria carne", somos pródigos em fazer diagnósticos e dar as receitas para os outros, mas na hora de se tratar... Até aqueles que se aplicam em disciplinas espirituais e que estariam mais no fronte de batalha contra o próprio ego claudicam no momento de introjetar o que aprendem.
Por isso é mais fácil ser neurologista que psicólogo. É mais fácil tratar o corpo do que a alma.
Se é assim, por que me sinto às vezes tão frustrado?! É porque nós que por ofício precisamos reduzir a complexidade do ser humano a um aparelho orgânico, meramente material, temos também a sensação de termos chegado tarde, quando só os efeitos aparecem e nos falta o poder de atuar nas causas. Com toda compaixão que tenho, procuro me dedicar a aliviar o sofrimento dos pacientes com Alzheimer, com tumores cerebrais, com doenças neurológicas incuráveis (e são muitas!). Mas como eu adoraria ter chegado um pouco antes, ainda a tempo de dizer, "liberte-se dos apegos", "neutralize suas aversões", "seja mais amoroso", como podem fazer os terapeutas da alma.
É melhor impedir que a rocha despenque quando ela ainda está no pico da montanha. Tentar reconstruir depois do estrago ter sido feito no sopé é uma tarefa sempre inglória. Por esse motivo, além da prática neurológica que preciso executar, sempre que posso tento também ajudar a preservar o lugar onde fica a verdadeira riqueza humana. A alma.
segunda-feira, 30 de março de 2009
O que você faz com seu talento?
Parece que há pessoas cujo único talento é explorar outros talentos. Aparecem sempre bonitos na fotografia, bem arrumados, com trejeitos elegantes e sabem bajular os ricos e poderosos. Aliás, essa é outra característica dessas pessoas, os interesses lhes movem o humor e desdenham consistentemente dos subalternos. Abramos os olhos para esses, pois caso contrário permitiremos que ganhem notoriedade e extendam seus domínios para explorar cada vez mais pessoas.
Voltando à China, fama, riqueza e poder são os motores e as metas de tais pessoas, exatamente os três venenos do ser humano, para a cultura antiga do Extremo Oriente hoje também já sucumbido aos valores individualistas da sociedade contemporânea.
A solução descoberta pelos sábios taoistas foi a da não-interferência, o não-lucro, o anonimato, a simplicidade. Exatamente o contrário da solução ocidental que seria a de encontrar os meios para se desvencilhar dos usurpadores e aprender a lucrar por si mesmo.
O dilema moral/espiritual dos que se empenham no bem é que para transformar talento em lucro, precisamos gastar nossa energia vital que poderia ser melhor utilizada na realização daquele mesmo talento em benefício do mundo. Por isso a opção pela pobreza ou pela vida modesta daqueles que trilham os caminhos superiores. É o caminho dos bodhisattvas, dos cristãos antigos e até de profetas modernos como Mahatma Gandhi. De fato, não há como servir a Deus e a Mamon (money) ao mesmo tempo.
Cabe aqui ressalvar que quem tem algum talento não deve ficar enfatuado por isso. Ao contrário, a atitude de humildade é essencial para a conservação e aplicação de seus dons. Lembrando de Nietzsche, façamos como seu Zaratustra que ensinava a não dar um nome para sua virtude, para evitar que se estabeleçam termos de comparação com os outros, o que acarreta sua destruição. Apenas vivamos conforme nossa virtude.
Seguindo, portanto, os conselhos da sabedoria antiga, dizemos aos possuidores de talentos e virtudes: "façam de suas aptidões uma doação em benefício do mundo". Essa é a única maneira de não cair no engodo do lucro, nem ser explorado por quem já é vassalo do capital. É isso mesmo! Dê de graça, assim ninguém poderá lhe roubar. Conserve-se vazio e aberto, ofereça o que tem de melhor sem esperar recompensa ou reconhecimento. Não serão os Céus que lhe trarão o pagamento, mas a própria liberdade decorrente de sua atitude será o motivo da sua felicidade.
quarta-feira, 18 de março de 2009
Estimulação cerebral profunda na doença de Parkinson
http://www.youtube.com/watch?v=B6sqV7bEPo0&feature=related
terça-feira, 17 de março de 2009
Doença de Parkinson e suas manifestações não-motoras
Com o avanço da patologia, podem ser necessárias as idas aos pronto-socorros devido a quedas, infecções respiratórias, desmaios e outras situações de emergência. A compreensão da amplitude dos fenômenos relacionados ao Parkinson é importante especialmente para os cuidadores e familiares que normalmente tendem a focalizar apenas os distúrbios de movimento. Muitas vezes os sintomas de outras ordens não são valorizados ou não são se imagina que possam estar relacionados à patologia de base.
Outro fenômeno relevante é o que diz respeito ao uso excessivo de medicação. Devido à incapacidade causada pelos distúrbios de movimento, alguns pacientes abusam dos medicamentos e sofrem com as consequencias da sobredose. Dentre as medicações utilizadas para o tratamento do Parkinson, a mais eficaz para o controle dos sintomas motores é a levodopa, disponível em associação com a carbidopa ou com a benzerasida. É justamente essa substância a que mais comumente é utilizada em excesso. Ao perceber a melhora de suas capacidades para desempenhar as funções cotidianas, alguns pacientes passam a utilizar a levodopa em altas doses e então sobrevêm os efeitos colaterais físicos e psiquiátricos.
O uso prolongado e excessivo da levodopa pode induzir alterações neurológicas motoras como a discinesia. O paciente passa ter períodos em que surgem movimentos involuntários, como a coréia e a coreoatetose. O problema pode ser ainda um pouco maior porque as doses mais altas de levodopa produzem um certo estado de euforia e bem estar. Assim, não é infrequente encontrarmos pessoas com efeitos colaterais sérios e que informam estar se sentindo bem, dizendo até que se sentem desconfortáveis nas doses normais de medicação, apesar de conseguirem bom controle dos sintomas do ponto de vista médico.
Uma situação mais extremada ocorre na esfera neuropsiquiátrica e se denomina "Síndrome de Desregulação Homeostática Hedonística", também conhecida como Síndrome de Desregulação Dopaminérgica ou, simplesmente, como "os abusadores de levodopa". Algumas pessoas tornam-se dependentes de doses muito altas de levodopa (no Brasil as formas comerciais mais vendidas são o Prolopa e o Sinemet). Característicamente, costumam estocar a medicação e distribuir as cartelas pela casa, no carro, no escritório e em todos os lugares que o paciente costuma ir. Esse deve ser o primeiro sinal de alerta para a família. Outro fato que chama a atenção é que o paciente usa doses elevadas e fala para o médico que continua tomando as doses conforme foram prescritas. Além disso, tem os movimentos involuntários (discinesias) e dizem se sentir bem nesses momentos. Completando o quadro, desenvolvem sintomas de abstinência mediante a redução da dosagem ou suspensão da medicação.
Junto com a síndrome podem surgir manifestações neuropsiquiátricas intensas, incluindo estados alucinatórios, psicose ou distúrbios compulsivos. Esses pacientes podem começar com comportamentos exagerados e repetitivos, envolvendo uma hipersexualidade, compulsão para jogos - especialmente com apostas - e comportamento de consumo exacerbado na forma de compras ou de alimentos. Tais comportamentos são direcionados para a busca de recompensa emocional e não conseguem ser suprimidos pelo paciente. Há estudos que apontam para uma prevalência de até 13,7% desses sintomas ao longo da vida dos parkinsonianos.
Um comportamento curioso e relacionado a esses distúrbios impulsivos chama-se "punding" e não tem correspondência na lingua portuguesa. As pessoas acometidas por essa alteração demonstram comportamentos complexos repetitivos, excessivos e sem um propósito. Um exemplo típico é o de pacientes que ficam "arrumando" suas gavetas ou estantes de modo compulsivo. Costumam retirar os objetos e depois ter dificuldade em reorganizar tudo; todavia voltam com a mesma ação logo a seguir.
À parte de sintomas bizarros como os referidos, outros menos chocantes também aparecem e merecem o tempo do neurologista. Eles incluem os distúrbios de sono específicos, a depressão, a ansiedade, a perda de memória, as náuseas e as tonturas.
Cada vez mais reconhecemos que a magnitude da Doença de Parkinson ultrapassa, na maioria dos pacientes, as dimensões puramente motoras dessa patologia. O tratamento ótimo das pessoas portadoras deve ser voltado para o atendimento integral da saúde.
domingo, 8 de março de 2009
Ser humano é ser pessoa. Por quê viver se assim não for?
quarta-feira, 4 de março de 2009
"O Escorpião e o Sapo" ou "A Competição no Trabalho"
A estória começa com uma inundação na qual o escorpião, inimigo natural do sapo, fica ilhado. Defrontando-se com a própria morte, o escorpião resolve pedir ajuda ao anfíbio que passa nadando à sua frente. "Estou ilhado e vou morrer, leve-me em suas costas até um local seguro", disse o artrópode venenoso.
Em resposta ao pedido, o sapo retruca dizendo que não queria ser ferrado mortalmente. Mas seu inimigo o convence apelando para sua compaixão e justificando que jamais feriria seu salvador porque, se assim o fizesse, morreriam os dois.
Cedendo ao pedido, enquanto levava o escorpião às suas costas no meio da travessia, sentiu o sapo uma ferroada e já desfalecendo olhou para seu carrasco e perguntou o porquê. "É minha natureza... ", responde o escorpião já se afogando também.
sábado, 28 de fevereiro de 2009
Tempo é cérebro
segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009
Cultura de Paz: uma questão cognitiva
É no campo mental, onde habitam as representações do mundo e os esquemas que nos orientam o comportamento, que se encontra a chave para o surgimento de uma cultura de paz. Isso não significa desmerecer ou desconsiderar o coração, o sentimento. Na verdade, mente e coração formam um todo indissociável e são ambos responsáveis pela visão de mundo que construímos e nutrimos diariamente dentro de nós. Do mesmo modo, a expressão do campo mental-afetivo é nosso próprio corpo físico que também compõe a totalidade do ser pois somos o que somos, porque somos incorporados no mundo.
Do ponto de vista prático, percebemos que é possível modificar a sociedade transformando a nós mesmos. Não precisamos esperar uma mudança externa, na sociedade ou nos outros, para sermos capazes de identificar no mundo a possibilidade de uma existência pacífica. Não devemos apenas reagir aos estímulos externos, mas temos que antecipar e realizar de dentro para fora. As coisas não "são o que são"; mas nós escolhemos o que queremos que elas sejam. "Nós devemos ser a mudança que nós queremos ver", disse Mahatma Gandhi.
Assim, lutar por uma cultura de paz compreende erradicar (ou seja, arrancar desde a raíz) todos aqueles pensamentos, sentimentos, símbolos e valores que representam a violência dentro de nós. É preciso agir interiormente antes de agir exteriormente. É preciso mudar a base mental, o solo onde brotam nossas convicções e conceitos antes de cobrar do outro a postura de paz. Se continuarmos a apenas responder, reagir ao que vem de fora, jamais criaremos uma cultura pacífica, pois já estamos demais mergulhados em uma cultura de guerra. Além disso, como nossas ações são encadeadas com as dos outros, enquanto alguém não rompe o ciclo da violência, este se perpetua indefinidamente.
Imaginemos uma casa em que o pai chega estressado e briga com a mãe. Essa, por sua vez, perde a paciência com o filho mais velho que desconta no do meio. Sem meios para reagir contra o mais forte, o do meio vinga-se contra o menor que ataca o cachorro indefeso. Instalado o pandemônio em casa, o nível de tensão aumenta com as crianças gritando, o cachorro latindo, piorando o desentendimento entre os mais velhos e o ciclo se reinicia.
Penso que talvez se aplique aqui o significado profundo do "dar a outra face". Esse ato de não-violência é a condição sine qua non para a ruptura efetiva do ciclo de agressão. Dar a outra face não é apenas ser um cordeiro passivo, mas ser capaz de intencionalmente optar por não transmitir a violência para um terceiro ou de volta para o agressor. Ser capaz de absorver a ofensa sem se contaminar por ela. Ser capaz de assimilar o mal e purificá-lo dentro de si com vistas a um bem maior. É preciso agir pela paz para não perpetuar o ciclo violento.
Vê-se que não há passividade e, principalmente, não há uma mera reação por impulso. Podemos assumir tal compromisso interno e, lentamente, ir transformando nosso mundo e aquele à nossa volta. Podemos exercer essa prática em casa, nos relacionamentos profissionais - onde os subalternos são sempre as maiores vítimas por terem menor poder de reação - e em todos os lugares onde encontramos com outras pessoas.
Tudo depende dos símbolos e valores que alimentamos cotidianamente em nossa mente. Os sentimentos e ações surgem em decorrência ou em sintonia com eles.
Há muito mais a fazer do que o acima descrito, mas é um começo. Precisamos urgentemente, por exemplo, desconstruir a idéia oriunda da lógica de mercado de que tem valor aquilo que é raro e acessível a uns poucos. Basta escolhermos dar mais valor às coisas que representam o bem coletivo e não o bem individual.
De qualquer maneira, o caminho é longo e não temos tempo a perder. Não podemos adiar mais. Temos que dar o primeiro passo.
sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009
Quando o Analgésico é a Causa da Enxaqueca
O termo "enxaqueca transformada" é freqentemente utilizado para descrever a cefaléia crônica diária que se iniciou como crises mais ou menos frequentes e que foi agravada pelo uso excessivos de analgésicos como os anti-inflamatórios, ácido acetil-salicílico, paracetamol, os derivados de ergotamina, os triptanos e os compostos específicos para enxaqueca, encontrados até mesmo fora dos estabelecimentos farmacêuticos.
segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009
Delirium em idosos: o papel da família
Em idosos internados para tratamento hospitalar é relativamente comum o aparecimento de um estado de confusão mental, denominado delirium agudo. Estudos recentes apontam para o tratamento não-medicamentoso como forma adequada para o controle e mesmo para prevenção desse problema que pode ocasionar o prolongamento das internações. Nesses casos, o papel da família é preponderante para o sucesso do tratamento.
O delirium agudo pode ser de dois tipos: o hipoativo, no qual predomina o rebaixamento do nível de consciência que varia de sonolência excessiva até o estupor e coma; e o hiperativo, caracterizado por agitação psicomotora, acompanhado ou não de alucinações visuais, auditivas, agressividade e outros distúrbios de comportamento. Habitualmente observa-se a mistura desses 2 tipos de sintomas, com flutuações da consciência ao longo do tempo, alternando períodos de sonolência, com outros de agitação e alucinações.
Os idosos, mesmo não sendo portadores de alzheimer ou outro tipo de demência, são particularmente suscetíveis a essas alterações de origem cerebral. Estudos mostram que indivíduos acima de 75 anos submetidos a uma cirurgia ortopédica tem chance de até 15% de desenvolver delírio agudo no período pós-operatório.
A causa do distúrbio é entendida, atualmente, como sendo uma conjunção de vários fatores de risco. Dentre eles podemos citar: idade maior que 75 anos; infecções; uso de antibióticos e outras medicações, tais como corticóides, sedativos e analgésicos(especialmente os derivados de morfina); cirurgias de médio ou grande porte; anestesia; insuficiência renal ou hepática; alterações da concentração de sódio, cálcio, magnésio e de outras substâncias encontradas normalmente no sangue. O acompanhamento de um especialista pode ajudar a detectar o problema, controlar os fatores de risco e auxiliar na prevenção dos sintomas.
Enquanto as pesquisas com uso de medicações antes de procedimentos cirúrgicos não se revelaram eficazes para evitar o delírio, a utilização de medidas não-farmacológicas se provou útil e desejável. Portanto, queremos dar alguns conselhos para os familiares de idosos que serão submetidos a uma internação por qualquer motivo.
Em primeiro lugar, é preciso lembrar que a simples mudança de rotina e de instalação física pode gerar confusão mental e que os movimentos da enfermagem para medir pressão, pulso e temperatura, bem como aplicar medicações à noite, alteram o ciclo de sono-vigília e colaboram para a instalação do delirium. Assim, com o paciente internado, procure deixar o quarto bastante iluminado durante o dia, se possível sentando-o em uma poltrona e mantendo conversas sobre a família, a casa e também sobre os eventos mais recentes. À noite, manter o aposento à meia-luz, com o mínimo de barulho possível e, quando não houver problemas, evitar manipular o paciente da meia-noite às seis horas da manhã.
Raramente encontramos em uma acomodação hospitalar a presença de um calendário ou um relógio, talvez para diminuir a ansiedade de "não ver o tempo passar". Contudo, para uma boa orientação no tempo e no espaço, é importante ter a data visível - melhor que seja impressa diariamente no formato abaixo - e um relógio com o mostrador de tamanho suficiente para a leitura de quem está hospitalizado. Devemos compreender também que a duração da internação pode ser outro fator agravante, devido ao confinamento em ambiente fechado. Sempre que possível, passear com o paciente na cadeira de rodas pelos corredores do hospital ou outros locais apropriados para esse fim.
Nos momentos em que o paciente demonstra algum sinal de confusão mental, ou mesmo alucinação visual, é preciso confortá-lo, lembrando que está no hospital x, fazendo tratamento para y e que sua família o está amparando. Tranquilamente, é preciso também corrigir os distúrbios perceptivos, informando que o que ele viu não estava ali. Trazer objetos familiares ao paciente, para deixar no quarto também pode ser interessante no sentido de mantê-lo calmo.
Utilizando essas medidas, algumas vezes trabalhosas, é possível prevenir o delirium ou diminuir a necessidade de intervenção com medicamentos. Consequentemente, o tempo de internação hospitalar diminui e a recuperação em casa é mais rápida.
sábado, 31 de janeiro de 2009
Clube da luta made in Brazil
Evidentemente, em muitas ocasiões o ringue improvisado ora na casa de um, ora na casa de outro(longe dos pais), fica marcado com respingos de sangue, pedaços de dentes quebrados, algumas lágrimas e o eco das gargalhadas de humilhação coletiva contra os perdedores(o golpe final sobre quem já levou bastante).
Nessa brincadeira "inocente" valem muito os atos de submissão desonrosa, como imobilizar o oponente e dar tapinhas no rosto, temperando com um toque de sadismo o processo inteiro. Só não é permitido atingir as partes baixas, se bem que exista um certa condescendência para quem lança mão dessa tática se estiver apanhando muito.
Depois de tentar esconder meu horror, afinal sou ainda do tempo em que "não se bate na cara de um homem", procurei orientar o rapaz sem parecer muito quadrado. Uma atitude mais intempestiva poderia me valer a pecha de careta ou demodé, isso nos termos apropriados à minha geração.
Ficou, entretanto, a reflexão sobre os motivos desse tipo de comportamento.
Lançando mão dos conhecimentos de biologia, pensei ter encontrado na raiz animal do ser humano a causa do "clube da luta" tupiniquim. Especialmente para os mamíferos predadores, são comuns as brincadeiras de lutas entre adolescentes como forma de treinamento lúdico para a vida real que os aguarda. Também lembrando das matilhas e alcatéias, a eleição dos machos alfa acontece nas demonstrações de força. A preservação desse status social depende de resistir aos constantes desafios dos machos beta, hoje curiosamente em moda entre os humanos por serem mais sensíveis e carinhosos.
Por outro lado, escapando da explicação biológica, imagino se não estamos em um ponto da sociedade no qual o descrédito em relação à racionalidade(herdada como ideal humano das épocas iluministas), como forma de resolução de conflitos tenha chegado a um nível em que alguns homens passam a se sentirem mais homens exatamente quando são mais animais. Outras formas de primitivismo socialmente permitido poderiam ser os esportes - cada vez mais de contato físico - e as torcidas. A pressão da panela parece estar aumentando e se não contamos com a razão para diminuir o fogo que a alimenta, resta-nos soltar a válvula de escape constituída pelo atavismo irracional.
Pensando agora sob a perspectiva cultural, vivemos uma época de crise de identidade na qual a sensação de pertencimento a uma comunidade se dissolve no mar de homogeneidade da modernidade líquida, conforme Zygmunt Baumann. Diante da relativização de valores e da insustentabilidade ética, é preciso ter algo forte, capaz de impor algum relevo sobre um terreno que parece por demais igual, apesar de tanta diversidade. A construção desse ponto de significação densa, marco de orientação e eixo em volta do qual gira o mundo simbólico da identidade, pode ser a adesão a uma religião, como bem explica Mircea Eliade (em O Sagrado e o Profano), e ainda a constituição de grupos com regras muito próprias e rígidas, por mais que corrompidas na questão moral. Ou talvez esses fenômenos desafiem a lógica justamente pela necessidade de desafiá-la como forma de assegurar uma diferença no mundo, base para a constituição de uma comunidade.
O fato é que o ideal do belo, da harmonia e da realização do humano e de sua essência - que poderia até transcender a materialidade - parece cada vez mais distante e utópico. Não é à toa que o modelo de desenvolvimento econômico global cede ao capitalismo selvagem e nos lança na crise mundial que enfrentamos.
Isso é apenas a ponta do iceberg.
quinta-feira, 29 de janeiro de 2009
Fatos e Mitos sobre Epilepsia
Por uma questão de objetividade, vou escrever no formato de FAQ e os que desejarem acrescentar comentários ou levantar mais perguntas, fiquem à vontade.
O que é a epilepsia?
É uma condição neurológica em que existem descargas anormais e excessivas das células nervosas – os neurônios. Quando essas descargas são muito intensas, podem acometer vários grupos de neurônios em uma área específica ou em todo o cérebro, ocasionando uma crise epiléptica que pode se manifestar de várias maneiras, desde uma convulsão até uma pequena ausência.
Como a epilepsia é considerada uma doença crônica, é preciso que haja várias crises identificadas por um médico, sem fatores precipitantes, para ser feito o diagnóstico. Isso é importante porque uma pessoa diabética pode ter uma convulsão se apresentar uma hipoglicemia, o mesmo pode acontecer com um etilista em abstinência, em situações de usos de drogas ou medicamentos etc. Nesses casos, quando a causa é removida, a pessoas deixa de ter crises. Algumas pessoas podem ter um única crise durante toda a vida e não são consideradas epilépticas.
Qual o problema de ter um “ameaço” de crise?
A rigor, não existe um ameaço de crise, o que acontece é uma crise mesmo.Existem vários tipos de crises epilépticas, mas a mais conhecida é a convulsão – crise tônico-clônica generalizada . Quando uma crise começa em uma região do cérebro, pode haver o que chamamos de crise parcial. De acordo com o local do córtex onde começam as descargas, surgem os sintomas. Por exemplo, se a crise parcial acomete a região frontal no ponto de controle do braço, o paciente sente movimentos involuntários naquele membro. Se essas descargas se distribuem por todo o córtex cerebral, a crise torna-se “generalizada”, a pessoa perde a consciência, fica rígida, se debate etc. Só que, na verdade, a crise começou mesmo no braço e se tivesse acabado ali mesmo, ainda seria uma crise e não apenas um ameaço.
Qual o objetivo e duração do tratamento?
O principal tratamento para epilepsia consiste no uso de medicamentos específicos, os chamados anti-epilépticos. O objetivo do tratamento é evitar completamente qualquer tipo de crise(inclusive os “ameaços”). Ficando o paciente ao menos dois anos sem crises, é possível tentar a retirada progressiva da medicação, sob os cuidados de um neurologista. Entre 40 e 60% dos pacientes ficam sem crises e sem remédios depois desse período. Caso voltem a surgir as crises, é preciso reintroduzir o tratamento e sua retirada posterior é menos provável. Em uma percentagem menor de indivíduos, mesmo com o uso concomitante de várias drogas, em doses altas, ainda subsistem as crises. Isso é o que chamamos de epilepsia de difícil controle. Felizmente, correspondem a uma minoria de pacientes.
O que fazer ao presenciar uma crise convulsiva?
Em primeiro lugar, é preciso deixar a pessoa solta e protegida de objetos que possam ocasionar lesões. Soltar a gravata ou qualquer coisa que possa prejudicar a respiração. Começar a contar o tempo em um relógio para determinar a duração da crise. Pode-se apoiar a cabeça, sem segurá-la. Quando os movimentos pararem, vire o paciente de lado, pois caso vomite não engasgará. Observe-o até que recupere a consciência. Se o período de rigidez ou de movimentos espasmódicos durar mais que cinco minutos – ou se houver duas crises sem recuperação da consciência entre as crises – é preciso levar o doente a um pronto-socorro mais próximo.
Ah! Não precisa tentar abrir a boca, puxar a língua ou algo parecido. O paciente não respira porque seus músculos torácicos estão contraídos. Ao afastar os dentes você pode se machucar ou ao paciente.
Se um epiléptico quiser beber álcool, deve parar as medicações naquele dia?
JAMAIS!!! Nunca, de modo algum! O álcool, por si mesmo, já pode precipitar uma crise convulsiva mesmo em quem não é epiléptico. A maior causa dos estados de crises prolongadas (estado de mal epiléptico) – que podem levar a danos cerebrais graves e irreversíveis – é a suspensão abrupta de medicação. Portanto, nunca deixe de tomar seus medicamentos, a não ser por orientação do seu neurologista. Outro cuidado: o uso de certos medicamentos podem afetar o nível dos anti-epilépticos no sangue, comprometendo sua eficácia.
O portador de epilepsia pode nadar ou andar de bicicleta?
Depende da gravidade de cada caso, do grau de controle das crises com as medicações e dos efeitos colaterais(como sonolência) que podem acarretar o seu uso. O médico que acompanha o paciente pode determinar os riscos para uma pessoa em particular. Via de regra, se o paciente está bem controlado, sem crises há pelo menos 3 a 6 meses, em uso regular de medicamentos, não há problema em nadar ou fazer outras atividades esportivas. Aconselha-se a natação sob a supervisão de um instrutor capacitado que estará atento para uma eventual crise na água. Deve-se evitar, contudo, esportes radicais, nadar em mar aberto, manuseio de máquinas pesadas ou exercer atividades que possam colocar outras pessoas em risco na eventualidade de uma convulsão.
A epilepsia é um problema espiritual?
Alguns grupos religiosos podem compreender as manifestações da epilepsia como sinais de um problema espiritual. Os espíritas kardecistas interpretam as crises como fruto da ação de obsessores desencarnados, alguns protestantes evangélicos podem entender a doença como decorrente da ação de demônios. Respeitamos essas opiniões e o desejo de muitos pacientes de receberem tratamentos espirituais para melhorar ou curar a patologia. Mas, gostaria de deixar um alerta: não deixem de tomar suas medicações por um ato de fé.
Quando você se curar pela intercessão de forças espirituais superiores, seu médico reconhecerá que você está livre do problema por tempo suficiente para suspender as medicações com segurança. Não importa que sua cura espiritual seja interpretada pelo doutor apenas como uma “remissão espontânea”. O perigo é jogar os remédios no altar do templo ou algo parecido, mediante o desafio de alguns líderes espirituais, e entrar em um estado de mal epiléptico que pode deixar seqüelas irremediáveis.
Deve haver muitas outras dúvidas e mitos em relação à epilepsia que merecem ainda esclarecimento. O importante é falar abertamente, sem preconceito ou restrições. Quanto à baba do epiléptico, não há qualquer problema em tocá-la, já que a doença não é transmissível. Já a solidariedade e o respeito podem ser contagiosos, se nos empenharmos nisso.
quarta-feira, 28 de janeiro de 2009
Proposta de um Blog em Neurologia
Decidi começar um blog de neurologia no intuito de disponibilizar informações consistentes e seguras para pessoas portadoras de doenças neurológicas e seus familiares. Com o acesso estrondoso às informações possibilitado pela Internet, acho interessante ter alguém que filtre os assuntos e consolide os conteúdos, tornando-os acessíveis e úteis.
Vamos pensar de maneira científica para compreender o que é preciso filtrar.
Encontramos nos sinais e sintomas da doenças os fatos de interesse científico; no trabalho de pesquisa retira-se desses fatos os dados que permitem uma análise e compreensão dos fenômenos (à luz da ciência contemporânea); a partir daí temos informações que permitem as construções teóricas. Quando tudo isso é elaborado pela comunidade acadêmica e transformado em conhecimento aplicável, daí temos a prática profissional - da neurologia no nosso caso específico.
Como a produção científica é constante e em grande monta, além do imenso trabalho de lidar com os pacientes e utilizar os conhecimentos já estabelecidos mundialmente, precisamos estar atentos para os dados dos novos trabalhos, evitando conclusões precipitadas e acelerando para fornecer o que há de melhor na ciência ao consumidor final (o paciente).
Para o especialista - que vivencia a teoria e a prática da área profissional - já é uma tarefa hercúlea dar conta das contradições da neurologia e dos conflitos entre a indústria e o mercado de um lado e a qualidade de vida e a saúde dos pacientes de outro. Imagine para aquele que se encontra perturbado por uma doença e que busca, mais do que o conhecimento, uma resolução para seus problemas.
Por isso começamos esse blog.
Não faremos consultas pela internet, não indicaremos tratamentos, nem recomendaremos procedimentos que carecem de comprovação científica (e estou sempre atento para as limitações do método científico). O que pretendo é apresentar o que há de mais atual na neurologia clínica de uma maneira fácil de compreender e útil para aqueles que buscam o tratamento para suas condições.
Apesar de não me dispor a trata de questionamentos específicos(que devem ser feitos nos consultórios médicos), aceito sugestões de temas em neurologia para discussão.
Estando posto meu objetivo primeiro com esse blog, cabe agora dizer os efeitos colaterais que podem advir de sua escrita:
- teremos um maior contato com o público, o que me dará feedback sobre minha prática e talvez propicie alguns bons contatos;
- terei a possibilidade de resumir, re-elaborar e escrever sobre os artigos científicos que leio vorazmente e que são esquecidos com o tempo por falta de um registro metódico;
- pretendo ainda me manter alerta para a dimensão humana na questão das doenças e seus tratamentos, pois por mais que eu busque atentar para esse aspecto, somos compelidos no dia-a-dia a agir objetivamente, o que pode significar "objetificar" também as pessoas, inadvertidamente.
De antemão posso afirmar que, exceto pelo fato de ser um neurologista atuante na prática hospitalar e de consultório, não tenho nenhum conflito de interesse ao me referir a qualquer tratamento medicamentoso ou procedimento diagnóstico/terapêutico. Não recebo grants de nenhuma instituição famarcêutica, nem esse blog é patrocinado por qualquer outro senão eu mesmo.
Agora, mãos à obra!
Saúde e paz!