segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Cultura de Paz: uma questão cognitiva

Ao conjunto de símbolos e valores elaborados por um povo em determinada época e lugar chamamos "cultura". Quando pensamos em "cultura de paz" estamos fazendo referência aos elementos presentes no imaginário coletivo que remontam aos valores pacíficos. Também queremos dizer que os elementos pacíficos devem sobrepujar, neutralizar ou até mesmo eliminar aqueles relacionados à guerra, à intolerância e a todas as formas de agressividade que podem estar presentes, evidentes ou disfarçadas, nas nossas atitudes, relacionamentos e escolhas cotidianas.
É no campo mental, onde habitam as representações do mundo e os esquemas que nos orientam o comportamento, que se encontra a chave para o surgimento de uma cultura de paz. Isso não significa desmerecer ou desconsiderar o coração, o sentimento. Na verdade, mente e coração formam um todo indissociável e são ambos responsáveis pela visão de mundo que construímos e nutrimos diariamente dentro de nós. Do mesmo modo, a expressão do campo mental-afetivo é nosso próprio corpo físico que também compõe a totalidade do ser pois somos o que somos, porque somos incorporados no mundo.
Do ponto de vista prático, percebemos que é possível modificar a sociedade transformando a nós mesmos. Não precisamos esperar uma mudança externa, na sociedade ou nos outros, para sermos capazes de identificar no mundo a possibilidade de uma existência pacífica. Não devemos apenas reagir aos estímulos externos, mas temos que antecipar e realizar de dentro para fora. As coisas não "são o que são"; mas nós escolhemos o que queremos que elas sejam. "Nós devemos ser a mudança que nós queremos ver", disse Mahatma Gandhi.
Assim, lutar por uma cultura de paz compreende erradicar (ou seja, arrancar desde a raíz) todos aqueles pensamentos, sentimentos, símbolos e valores que representam a violência dentro de nós. É preciso agir interiormente antes de agir exteriormente. É preciso mudar a base mental, o solo onde brotam nossas convicções e conceitos antes de cobrar do outro a postura de paz. Se continuarmos a apenas responder, reagir ao que vem de fora, jamais criaremos uma cultura pacífica, pois já estamos demais mergulhados em uma cultura de guerra. Além disso, como nossas ações são encadeadas com as dos outros, enquanto alguém não rompe o ciclo da violência, este se perpetua indefinidamente.
Imaginemos uma casa em que o pai chega estressado e briga com a mãe. Essa, por sua vez, perde a paciência com o filho mais velho que desconta no do meio. Sem meios para reagir contra o mais forte, o do meio vinga-se contra o menor que ataca o cachorro indefeso. Instalado o pandemônio em casa, o nível de tensão aumenta com as crianças gritando, o cachorro latindo, piorando o desentendimento entre os mais velhos e o ciclo se reinicia.
Penso que talvez se aplique aqui o significado profundo do "dar a outra face". Esse ato de não-violência é a condição sine qua non para a ruptura efetiva do ciclo de agressão. Dar a outra face não é apenas ser um cordeiro passivo, mas ser capaz de intencionalmente optar por não transmitir a violência para um terceiro ou de volta para o agressor. Ser capaz de absorver a ofensa sem se contaminar por ela. Ser capaz de assimilar o mal e purificá-lo dentro de si com vistas a um bem maior. É preciso agir pela paz para não perpetuar o ciclo violento.
Vê-se que não há passividade e, principalmente, não há uma mera reação por impulso. Podemos assumir tal compromisso interno e, lentamente, ir transformando nosso mundo e aquele à nossa volta. Podemos exercer essa prática em casa, nos relacionamentos profissionais - onde os subalternos são sempre as maiores vítimas por terem menor poder de reação - e em todos os lugares onde encontramos com outras pessoas.
Tudo depende dos símbolos e valores que alimentamos cotidianamente em nossa mente. Os sentimentos e ações surgem em decorrência ou em sintonia com eles.
Há muito mais a fazer do que o acima descrito, mas é um começo. Precisamos urgentemente, por exemplo, desconstruir a idéia oriunda da lógica de mercado de que tem valor aquilo que é raro e acessível a uns poucos. Basta escolhermos dar mais valor às coisas que representam o bem coletivo e não o bem individual.
De qualquer maneira, o caminho é longo e não temos tempo a perder. Não podemos adiar mais. Temos que dar o primeiro passo.