quarta-feira, 4 de março de 2009

"O Escorpião e o Sapo" ou "A Competição no Trabalho"

A fábula sobre o escorpião e o sapo é bem conhecida, mas a mensagem transmitida é de que somos talhados para agir dessa ou daquela maneira em função de nossa própria constituição natural ou social. De acordo com a narrativa, não adianta lutar contra nossa própria natureza. Cabe, entretanto, a pergunta se realmente somos determinados pelo meio e até que ponto nos prejudicamos quando cedemos aos nossos impulsos.
A estória começa com uma inundação na qual o escorpião, inimigo natural do sapo, fica ilhado. Defrontando-se com a própria morte, o escorpião resolve pedir ajuda ao anfíbio que passa nadando à sua frente. "Estou ilhado e vou morrer, leve-me em suas costas até um local seguro", disse o artrópode venenoso.
Em resposta ao pedido, o sapo retruca dizendo que não queria ser ferrado mortalmente. Mas seu inimigo o convence apelando para sua compaixão e justificando que jamais feriria seu salvador porque, se assim o fizesse, morreriam os dois.
Cedendo ao pedido, enquanto levava o escorpião às suas costas no meio da travessia, sentiu o sapo uma ferroada e já desfalecendo olhou para seu carrasco e perguntou o porquê. "É minha natureza... ", responde o escorpião já se afogando também.
Na interpretação tradicional, nesse momento aprendemos a "valiosa lição" de que não é possível lutar contra nossa natureza. Na verdade, podemos até mesmo prever o comportamento dos outros se conhecermos sua natureza íntima. Afinal, uma macieira só pode dar maçãs e não se pode esperar que dê pêssegos ou melancias.
Será que é assim mesmo? Que não podemos lutar contra nossa "natureza" e estamos fadados a agir de maneira robotizada? Somos realmente predestinados e temos tudo já traçado por nosso karma?
Acredito que não.
Acontece que o ser humano não é restrito em seu comportamento do mesmo modo como a macieira que só sabe dar maçãs ou outras formas de vida menos complexas. Temos um poder de decisão e a capacidade de realizar escolhas. Ainda que não possamos falar em ação livre de qualquer determinação, sentimos que, em alguma medida, temos o que se chama livre-arbítrio.
De fato, a idéia de liberdade sugere que somos aptos a impor nossa vontade por sobre os ditames dos impulsos naturais. Não apenas isso, podemos ainda dizer que ter a capacidade de escolher se vamos concordar, negar, transformar, ignorar ou atender aos nossos instintos é a base para respondermos por nossos atos, ou seja, de termos responsabilidade.
Todos sabemos que nossos impulsos podem seguir, às vezes, na contramão da direção da razão e até se confrontar com os interesses do bem coletivo. Por isso temos as leis que regulam nosso comportamento e os sistemas punitivos em caso de desobediência. Contudo, as leis morais e sociais não existem apenas como proibição para certas condutas, mas também como afirmação da liberdade que temos até mesmo para transgredir e pagar a pena por isso.
Sabendo que não somos pré-destinados como o escorpião da anedota, fico pensando como a competição no ambiente de trabalho pode replicar a estória em seu lado mais nefasto. Muitas pessoas competem com seus colaboradores imaginando que precisam estar sobre as costas dos outros e não percebem que a cooperação é muito mais eficiente para a natureza humana que as estratégias de destruir o outro. O resultado da competição excessiva é que incapacitamos aqueles que deveriam estar lado a lado conosco, ajudando-nos a construir algo maior para o benefício coletivo. Mas como não suportamos ser apenas mais um, tornamo-nos escorpiões e garantimos o próprio naufrágio, desde que continuemos como os capitães do navio.
No mundo atual, se queremos sobreviver, precisamos reconhecer e, acima de tudo, valorizar as diferenças. Necessitamos dar espaço para que o outro compartilhe conosco suas habilidades e competências e devemos também dar algo em troca. A cooperação é a chave do sucesso ou talvez uma das metas que pessoas bem-sucedidas alcançam.

3 comentários:

abicam disse...

Roger;
Leia Sócrates, sobre as virtudes humanas.
Você entenderá que a fábula é muito mais profunda do que foi interpretada em seu artigo.
No fundo de cada ser humano há uma autentica natureza. E ela aflora sob certas circunstancias.
Não adianta querer mudar a natureza de alguém. A fábula nos aconselha a tomarmos precauções.
Você não concordou, não é mesmo?
Pois é...
É da sua natureza.

Roger Taussig Soares disse...

Olá Abicam,

Obrigado pelo comentário! Gostaria que me indicasse a qual livro você se refere para que eu possa ler e entender seu ponto de vista.
Sinceramente, não conheço essa fábula a não ser a partir de transmissão oral. Por esse motivo, tomei por base a interpretação corrente.
Se pensarmos em Sócrates veremos uma essência pura, mas que também se restringe ao plano das idéias(topos noetos) e que se expressa de modo imperfeito no mundo das sombras.
Meu ponto é: somos seres ao mesmo tempo biológicos e sociais, acreditamos que temos um livre-arbítrio. Isso posto, somos capazes de sermos mais nobres do que nossos determinantes bio-sociais nos permitem?
Fico feliz com seu interesse em discutir o tema.
Um abraço,

Roger

jornalaico disse...

Interessante a análise da fábula, muito conhecida na tradição oral. abicam critica, finge erudição, mas se esconde (abicam não é nome pessoal, certo?) e esconde a fonte, que colaboraria para o conhecimento de outros. É da sua natureza... Há várias versões e várias interpretações para a fábula.